
È Natal
pelos menos é o que dizem os milhares de cartazes não recicláveis espalhados em todas as lojas e ruas da cidade
Pois, o calendário assim o diz, embora francamente não consiga sentir isso
não consigo perceber o que é o Natal, e a única cosia que consigo sentir é uma espécie de desprezo por uma quadra que se celebra tudo menos o que era suposto!
Afinal
o que é o Natal? Se é andar como doidos nas lojas a comprar presentes para quem se gosta ou até para quem se despreza, não gosto! Se é andarmos feitos doidos nas filas do supermercado para comprar, leitões e borregos, que são arrancados das suas mamas quando ainda são amamentados, então, desprezo o Natal
se natal é provocar dor, ser cínico, consumista desenfreado, egoísta e exibicionista
não gosto, não quero e detesto!
Por esta altura, as televisões enchem as crianças de sonhos, que tantas não podem ter, que tantas não podem sentir, que tantas nem sonhar conseguem
Como se sentem essas crianças, que lhes falta até a comida, a roupa, uma casa
o que sentem quando olham para o ecrã e sentem que o Natal, cheio de luz e glamour, os deixa ainda mais de lado ainda mais esquecidos, mais longe das crianças que, felizmente, podem ter os brinquedos dos anúncios, os ténis do Ronaldo
não consigo pensar no Natal como ele deveria ser, porque o sinto como uma mega campanha de Marketing para os países industrializados
Á minha volta os meus amigos dizem que estou amarga em relação ao Natal
talvez, não sou negativa nem dramática, mas
nesta época os canis ficam lotados de animais que as pessoas simplesmente deitam fora, as ruas ficam cheias de lixo de papel o mais poluente possível, as crianças berram porque querem a ultima consola, enquanto outras já nem força para chorarem têm porque tem fome, tem medo, tem frio
Estas assimetrias são demasiado evidentes para que possa ver o Natal com alegria
Se o fizesse, estaria a ser mais uma vez egoísta, confortável na minha casquinha, onde tudo este sofrimento é externo, não se passa na minha casa
mas passa-se nas casas pelo meu pais, na Europa, no mundo
Por diversos motivos nesta altura sinto-me mais impotente por toda a dor que se alastra pelo mundo, por todo o egoísmo que abarca cada vez mais pessoas e deixa de fora todas as outras que não tem basicamente nada
pessoas esquecidas na sua pobreza, na sua miséria no seu desgosto!
È Natal
sim, e os canis estão lotados de animais de olhares tristes, doentes, amarrados pelo pescoço em cima de uma grade suja com os seus dejectos, com agua ou não, com comida ou não, mas sem um carinho, quase de certeza!
É Natal, e os refúgios e orfanatos estão repletos de crianças, que não tem os pais, não tem os brinquedos não tem o amor nem carinho
Bebes estão deitados nos berços sem que alguém possa prontamente repor a chupeta que insiste em cair!
É Natal e os lares amontoam idosos em quartos e salas, tantas vezes sem condições, sem que a família quisesse sequer saber que existem, que sentem que é natal
É Natal e aos hospitais chegam dezenas de crianças vitimas de maus tratos, pais que matam filhos, filhos que matam pais, pessoas que se agridem por tudo e por nada
estropiados de acidentes, provocados pela imprudência, pela alcoolémia, pela falta de civismo
É Natal e a guerra continua pelo mundo fora, a violencia impera
É Natal, mas não é para todos, por isso, já que sou mais uma impotente perante um mundo perdido, limito-me a não gostar do Natal, limito-me a beijar o meu Pai e a dizer que já está mais um ano!
Limito-me a agradecer tudo o que tenho, tudo o que me foi dado, tudo o que conquistei, e mais que tudo pelo facto de ter a sorte de ser feliz e de ser amada
Nesta altura o meu Pai costuma ficar mais emotivo, no fim do jantar gosta de me colocar no colo, abraçar-me, cheirar-me e dizer eu é um homem cheio de sorte
que passou mais um ano, e que nos espera mais obstáculo, mais conquistas, mais vitorias e mais derrotas
costumamos juntos, fazer uma espécie de balanço do ano
Normalmente temos sempre um saldo positivo
nem que seja pelo facto de sermos saudáveis e de termos o amor um do outro
relembra sempre outros natais
fala na minha infância e no facto de eu ter crescido tão depressa que ele não sentiu
Este natal já sei quem vem a conversa da falta de tempo para a família, do excesso de dedicação ao voluntariado, na opinião dele! Em suma, ciúmes
Mas todos os Natais digo o mesmo, enquanto eu estou naquele colo, numa casa farta
muitos estão do outro lado da janela
Talvez um dia eu consiga mudar de opinião, e veja o Natal como a tal quadra especial de esperança, de fraternidade, de ajuda entre os povos, e compaixão para com os que sofrem
Ainda não foi este ano, mas tenho esperança que aconteça
Neste natal tenho o conforto dos pensamentos sobre os animais que encontraram uma casa, dos que fugiram dos maus tratos e encontraram em nós o refugio, dos sorrisos dos meninos a quem levamos algumas coisas, dos beijinhos e dos abraços dos meninos e animais que acreditaram que poderia ser diferente
Tenho em mim, todas as pessoas que participam activamente na causa, tenho em mim todos que participaram, todos que nos fizeram acreditar que a união faz realmente a força, e que MUITAS PEQUENAS COISAS FAZEM GRANDES COISAS.
A toda a equipa da SosAnimal, a todas as Associações e movimentos de apoio aos animais, crianças, etc., Instituições e pessoas individuais, muito obrigada pelo vosso contributo, e por contribuírem para que um dia, o Natal e o ano todo seja agradável e justo para o mundo
A todos vós um Feliz Natal
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Sandra Duarte Cardoso
Sandra.cardoso@sosanimal.com