Quantos de nós não guarda da infância coisas magicas… quantas vezes me lembro de como via o sótão da minha Tia São, como pensava que a porta para o sótão era uma espécie de passagem para a outra dimensão, onde vivia eu, o Boby, que era primo do cão que ri na “Mais Louca Corrida do Mundo”, e a Nina, que era uma senhora cadela rafeiríssima mas com muito charme, que era uma espécie de Mamã para mim, dela tinha todo o carinho do mundo, e com uma vozinha doce falava comigo e explicava-me as coisas estranhas da vida, como o mundo era magnifico naquele sótão! só eu os meus companheiros de brincadeira e um ou outro gato de telhado que nos contava historias de viagens dos barcos que atracavam no Tejo.
Da única janela que o sótão tinha, nos os 3 víamos o mundo… ao fundo o rio, azul imenso e sempre cheio de aventuras a borbulhar nas ondas… todos os dias descobria mais um tesouro no sótão… todos os dias sentia que ali podia fugir do mundo cinzento, cheio de regras onde todos diziam que os cães não falavam e que eu andava a mentir! Tolos, eles é que não percebiam o que eles diziam, já eu falava Cãones na perfeição! Foi a Nina que me disse que os meus cabelos eram ruivos salpicados com pó de ouro, não enferrujados como os outros meninos alegavam!
A minha infância, foi rápida e muito solitária, filha única, longe de tudo, num mundo muito próprio cheio de adultos, que de idade mental tinham uns 15 anos, mas cheios de certezas e já sem magia! Claro que no meio do cinza, aparece sempre uma cor… e por vezes tinha o privilégio de ser o alvo das atenções e discussões intelectuais com personagens de relevo e de consistência, eram uma espécie de putos disfarçados de adultos e com tempo para já terem lido os livros todos que eu ansiava ler!
A esses adultos eu chamava de Mestres da vida, e ouvia com atenção as coisas que partilhavam comigo, e aprendi muito cedo, que o mais interessante nunca vem na enciclopédia, e quase tudo não é o que parece.
Aos 7 anos pedia dinheiro ao meu pai, para ir tentar negociar livros na livraria Bacatela em segunda mão… ele achava normal, a minha mãe dizia, que eu devia de ler era o Tio Patinhas, mas esses já eu tinha lido, e agora queria respostas para as minhas interrogações mais profundas!
Porque é o céu azul, a terra castanha, e onde estaria o fim ou o inicio do arco íris!
O riso do meu pai fazia-me sentir pateta… “Calma Xana, um dia vais perceber que tudo na vida têm uma explicação!”. E ele tinha razão… tudo na vida tem uma explicação, o difícil é encontrar a porcaria da explicação, quando não se percebe sequer qual é o problema… mas chegamos lá, ás vezes o problema somos nós, como vemos a vida, como nos vemos a nós!
Das minhas brincadeiras no sótão, e no meu jardim encantado no Torel, guardo as longas conversas que tive com o Boby e com a Nina, onde eles tentaram que eu entende-se que à coisas que não se explicam, apenas se sentem, e que crescer não tinha que passar obrigatoriamente por deixar de falar Cãones, e de deixar de acreditar que a magia existe…
Os anos passaram, o Boby foi embora, esperou que eu aparece-se e depois de me puxar o cabelo como costumava fazer todos os dias, deixou-me ir embora e adormeceu para sempre.
Subiu para o nosso sótão e ficou à espera da Nina, que pouco tempo depois também se foi embora, fez sentido para mim, afinal tinham que estar juntos…
Eu fiquei neste mundo estranho, onde os humanos são os únicos que podem falar, sentir e chorar… o problema é que eu não sei ser humana, e todos os dias penso no sótão e no jardim encantado, que tantas vezes me encheram a alma e fizeram que todos os monstros e demónios ficassem longe, nem que fosse durante o tempo que durava a nossa brincadeira…
Estranho não é… um cão e uma cadela de pedigree rafeiro, foram os meus melhores amigos de infância, e conseguiram deixar em mim uma sensação de amor, que poucas crianças devem ter recebido dos pais, tios, humanos em geral…
Muitos anos depois, em situações que a vida insistiu em tentar que eu esquece-se a magia e que fica-se adulta e humana, corri sozinha para o Jardim, e lá ficava a pensar em tudo e em nada, via o sol a iluminar a cidade e o rio a contar histórias de aventura à Lisboa! Nunca mais fui ao sótão, a ultima vez que o vi, pareceu outro, não era assim tão imenso, acho que o Boby e a Nina levaram a maior parte do sótão para a outra dimensão, aquele onde eu e eles brincávamos e esquecíamos tudo e todos!
Todos nós, sem excepção fomos crianças, todos nós devíamos de uma forma ou de outra ter visto coisas únicas, ter sentido que éramos especiais, mas por esta ou por aquela razão, alguém tentou nos convencer do contrario, então andamos meios perdidos, a pensar que somos menos isto, ou menos aquilo… mesmos os que parecem ter o rei na barriga e passam a vida a infernizar a vida dos outros, para se sentirem melhores e maiores, todos sem excepção temos medo de falhar, de não ser o que esperam de nós, de não ter o que o vizinho tem, de não ser top model, a mais fashion do pedaço, enfim…
A única coisa que sinto, é que o mundo é enorme e eu tão minúscula… mas quando sinto que não sou capaz, que a vida é demasiado cruel e cheia de merdices que não entendo nem tolero, lembro-me do meu mundo da magia, e do que eles diziam…
Quando me sinto feia e sem força, lembro-me dos narizes deles, das lambidelas, do colo do meu pai, e da célebre frase “Quem é a princesa mais linda do mundo deste pai babado!”, e tudo passa… e sinto que o mundo pode atacar que eu estou pronta para ripostar…
O que eu quero dizer com isto, é que mesmo que andes perdido, sem rumo, meio adormecido, procura na magia a tal força, a tal luz, o tal episodio que te torna especialmente fabuloso e mágico!
Não lembrem a parte má, não reflictam sobre as coisas feias e amargas que vos disseram, não valeu de nada, foram ditas por pessoas perdidas no mundo, perdidas da
magia, absorvidas pela massa cinzenta e imunda que abunda no mundo… e mesmo que andem atolados nisto até ao pescoço, existe sempre uma solução, não sou eu que a vou mostrar, nem ninguém, muito menos os comprimidos ou o psicólogo… a chave para a salvação de cada alma, está dentro do coração…
A minha sanidade mental, a minha maneira de continuar menina, reside no sótão, no jardim…
Cada ser é um mudo desconhecido e vasto… descobre o teu…
E sê quem tu és… não o que achas que os outros vão gostar que tu sejas…
Sandra Duarte Cardoso
Lisboa, 27 de Julho de 2006
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